quarta-feira, 30 de junho de 2010

GREGOS









Apararam os cabelos do menino de dois anos, e no lugar da festa a tragédia: esgoelou de sufocar. Espantada a mãe viu o sangue correr dos fios cortados, e em cada fio, uma pequena serpente que, rabo de lagartixa podado, voltava a crescer. Viviam no reino de Medusa, e a família se apavorou. A deusa malévola certamente não admitiria outro igual em seu universo.

Enviado por precaução ao Templo de Apolo. Cabelos ofídicos faziam dele um ser das sombras. Protegido, porém, por Apolo, o deus solar, a aparência de malvado não desmentia seu generoso coração. Amado pelos que o cercavam. Nenhum homem, mulher ou bicho que olhasse direto sua face ou olhos jamais se petrificou, muito ao contrário, dançava como bambu. Ao crescer tornou-se namorador e fez grandes amigos, entre esses, um tal de Teseu.

Paradoxalmente, a única a se queixar dele foi Medusa. Correria o risco de provar de seu próprio veneno? Encontrá-lo a petrificaria? Ela assim acreditava. Acusava-o de roubo de direitos autorais. Pensava nele com tal arroubo odiento, que o fantasma daquele jovem povoou seus dias e suas noites, foi sua inconteste e grande paixão; sua imagem masculina e especular; seu avesso; o pior veneno de sua existência _ sempre à distância.

Nem Freud explica.

(GREGOS, de Eliane Accioly - Menção Honrosa no Concurso Mulheres Emergentes.
A psicóloga, artista plástica e escritora Eliane Accioly , foi uma das Menções Honrosas do Concurso Mulheres emergentes-de minicontos e poemas.Texto enxuto , oriundo de quem entende a mente humana - e dos deuses da mitologia, conferindo-lhe um sabor singular.

Clevane Pessoa _ jurada))

Publicado por Clevane Pessoa em:

http://www.clevanepessoa.net/blog.php?idb=23221

domingo, 27 de junho de 2010

Reza







Nossa Senhora dos Raios
livra-me de maus entendidos
embrulha-me
em silêncio gaivota

terça-feira, 22 de junho de 2010

gianluca



no espelho d’água
brinca o bebê
concentrado em ser

bate pernas mãos e braços
gestos
desdobrando-se
na alegria
mais que perfeita
das descobertas

com ele entro
neste instante
mágico

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Para Elchiado



Noutro dia tropecei em uma pedra.
Jurei que iria cair.
Morri de vergonha.
Nessa morte dancei, e caí de pé!

segunda-feira, 14 de junho de 2010

"O Tempo é um rio sem margens" _ Marc Chagall




Amo o fluxo
e o correr dos dias
e dos rios em mim

deixam marcas
riscos
margens
em meu corpo,
no meu rosto

Sou vastidão de rios
e dias

domingo, 6 de junho de 2010

Fragmentos biográficos: comentando biografia de Chagall



Fragmentos biográficos: comentando biografia de Chagall

Leio a biografia de Marc Chagall escrita por Jackie Wullschlager, lançada recentemente em Londres, 2008, e aqui no Brasil, em 2009. O livro tem o subtítulo: "Amor e Exílio". O "Prólogo" traz um flash da vida de Chagall e Bella, sua primeira mulher, exilados dessa vez da França, em Nova York, na década de 40, durante a Segunda Guerra Mundial, pela perseguição aos judeus. Ambos judeus russos, da seita hassídica, e ambos artistas. Chagall pintor, Bella escritora e atriz. E com eles Ida, a única filha do casal.

Marc (1900) e Bella nasceram em Vitebsk, pequena cidade, na qual se ouvia Idich por toda a parte. Muitos habitantes judeus apenas falavam Idch. Na parte da cidade onde morava Chagall, erguiam-se as casas judaicas, de madeira, "o mundo do shtetl", que eram permitidas apenas em lugares determinados pelo poder russo da Época Kzarista. A família de Chagall era pobre, a de Bella, de ricos comerciantes de jóias, os Rosemberg. Chagall não admirava o pai, e o considerava um trabalhador braçal embrutecido e fechado na própria condição. Com sua mãe viveu uma relação de amor e deslumbramento, pela tenacidade daquela mulher pequena e vital. Foi o primeiro filho e o predileto da mãe. A autora diz que, apesar de Chagall não gostar de Freud e sua teoria, ter sido bem cuidado e bem alimentado pela mãe, lhe garantiu uma boa-auto estima, que levou pela vida afora. A autora menciona também o senso de sobrevivência de Chagall. Em 1900 Freud lançou seu grande livro a "Interpretação dos Sonhos", terminado em 1899, mas reservado para ianugurar o novo século e novo milênio.

O nascimento Moyshe, o primeiro filho, "desencadeou na jovem mãe uma verdadeira paixão." Feiga-Ita, sua mãe, "tinha ambições e sonhos muito mais ambiciosos que ele (Khatstel, seu marido e pai de Chagall) era capaz de entender". (28) O marido não era alguém com quem Feiga-Ita pudesse conversar. Chagall diria em sua autobiografia:

"Se pintei quadros, é porque me lembro de minha mãe, de seus seios tão amorosamente nutritivos, a me adorar, e minha sensação é que eu poderia me balançar até chegar à Lua". (28)

Apesar da preocupação da mãe, a família vivia tão pobremente, que os filhos nunca comiam o que matasse de verdade a fome. Estavam sempre meio famintos. Embora Chagall nunca reconheça isso em sua auto-biografia, dizendo que sempre lembra de si mesmo, com um pedaço de pão na mão. Foi a mãe que o levou para aprender a pintar com Yuri Pen, professor de pintura em Vitebski, respeitado e amado por Chagall para o restante de sua vida. Pen era acadêmico, o que Chagall jamais seria.

(Neste momento meu texto não se trata de uma resenha, até porque não acabei o livro. Mas da necessidade de compartilhar com vocês alguns dos aspectos da vida de Chagall, que me parecem bem atuais).

Os judeus russos no tempo do (s) Kzar (s) mudavam de nome, na tentativa de se assimilarem. Assim "Moyshe " se tornou Marc, ao longo de bastante tempo e tentativas de encontrar "algum" outro nome mais compatível com sobreviver e pertencer não apenas à etinia judaica, como à russa. Havia a necessidade, para os judeus russos, de russificar seus nomes. Ou ocidentalizar seu(s) nome(s). Foi o caso por exemplo, de Clarice Lispector e seus familiares a mudança dos nomes. Apenas sua irmã Tânia, conservou o nome de origem.

Os judeus dos "shtetl" eram destinados a permanecerem "ali" por toda sua vida _ o que aconteceu com Khatstel e Feiga-Ita. Não tinham permissão de frequentar Petrogrado (depois Petsburg) e Moscou. Mas claro, tudo pode ser burlado, e assim Chagall estudou pintura em Petrogrado, entrando em contato com as novas tendências, eem especial as francesas, vivendo o intenso desejo de partir para a Europa, onde se encontravam os grandes artistas como Matisse, Cézanne e outros.

A primeira vez que Chagall foi para Paris, sempre com muitas dificuldades financeiras, já namorava Bella. Os pais de Bella abominavam o namoro, e a enviaram à Moscou, onde ela se dedicou a estudar Literatura, e a ter aulas de Teatro. Participou de peças teatrais, e sentia-se realizar como atriz.

Se Bella e Marc chegaram ao casamento, foi principalmente devido ao amor da jovem pelo namorado. Foi ela quem alimentou a dificil relação naquela separação, escrevendo cartas, e recebendo muito poucas respostas do então sofrido Marc. Este sempre esteve dividido entre ser Judeu e Russo. E ainda no desejo de se ocidentalizar, sem perder a orientalidade, que alimentou sua arte durante toda sua vida. Marc Chagall desde o início possuia uma abertura que lhe chegou de sua mãe. Lutou por sair do "shtetl", não apenas literal, como metafóricamente. Ou seja, do fechamento que tanto lhe doía, olhando para seu pai. E lutou para deixar a Rússia que tanto amava, mas não lhe dava condições de viver e se realizar como o gênio da pintura em que estava se tornando e se tornou.

Na época da Revolução Russa, Marc voltou para Vitebski. Foi então que ele e Bella se casaram. Então ele já era reconhecido como grande artista, fora da Rússia, embora não ganhasse dinheiro. Ou ganhasse muito pouco. Quando saiu de Paris deixou grande parte de seus trabalhos com amigos. Posteriormente suas obras foram vendidas principalmente em Berlim, e seu renome e reconhecimento tornou-se imenso, disputado por marchands e colecionadores. Embora na questão financeira continuasse quase na penúria, durante a Primeira Guarra Mundial, que coincidiu com uma das piores épocas para os judeus russos. E para a economia alemã, com a inflação galopante. Quando mais tarde ghegou à Berlim, todo o dinheiro que ganhou com a venda das obras que ele próprio considerava as suas mais importantes produções, não valia mais que um dólar.

Foi durante a década de 20 que a família de Clarice Lispector perambulou pela Rússia, até conseguirem embarcar para o Brasil. E foi na mesma época que a família abastada de Bella ficou na penúria, seu amado pai morto, e ela sem saber se a mãe estava viva ou morta. Época dos mais virulentos progroms, com milhares de famílias chacinadas, crianças abandonadas e orfãs. Chagall e outros artistas deram aulas de pintura para alguns dos orfãos dos progroms, em Malakhovka. Foi uma época em que sua pequena família _ Bella e Ida e ele próprio passaram fome. E também a época em que pintou os famosos e enormes painéis para o "Teatro Judeu", em Moscou. Teatro que pouco depois seria fechado. Os painéis se salvaram graças a amigos de Chagall, que os esconderam para não serem destruídos.

Em 1922 Marc deixou Moscou e foi para Berlim. Logo depois Bella e Ida o seguiriam. Nessa época, antes de deixar a Rússia, conto com minhas palavras, uma das passagens do livro: Marc disse que amava os judeus, e tinha dado provas disto durante toda sua vida, não com palavras, com sua obra e atitudes. Mas amava também os russos. Amava o Ocidente, e principalmente amava a Arte, os artistas, as pessoas, os desprotegidos.

Compreendo essa maneira de ser de Chagall, ser um "Cidadão do Mundo". Sem me comparar com ele, que chegou tão longe com sua arte, é o que acredito que todos nós deveríamos perseguir. Sem deixar de ser Judeu, de ser Russo, e mais tarde cidadão francês, Chagall foi Cidadão do Mundo, com sua capacidade de sobreviver, e sair do "shtetl".